A política morreu porquê?
Várias hipóteses:
1. A
primeira é a de que morreu porque deixou de ser necessária. O sonho dos
nossos antepassados cumpriu-se. Os portugueses vivem hoje num país
nórdico: pagamos impostos como no Norte da Europa e temos a qualidade de
vida do Norte de África.
Somos
um País onde nem Américo Amorim se acha rico. E porquê? Porque somos
dez milhões de milionários. Temos a vida que os milionários têm. Cada um
de nós tem um banco e uma ilha, é certo que é o mesmo banco e a mesma
ilha, que é o BPN e a Madeira, mas todos os contribuintes são
proprietários de um bocadinho.
2. A
outra hipótese é: não há política porque só há economia. E enfim, a
teoria medieval concebia apenas duas formas de governo: na primeira, o
fluxo do poder era ascendente. O poder emanava do povo e o povo delegava
nos seus representantes. Na outra forma de governo, o poder fazia o
percurso inverso: emanava do príncipe e o príncipe delegava nas outras
figuras do Estado. O nosso modelo é um híbrido, no sentido em que do
povo emana o poder para eleger os representantes na figura de pessoas
como Miguel Relvas e o seu vice-primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho. E
há depois o príncipe, que é a troika, do qual também emana poder. E a
troika delegou o poder nas mesmas pessoas. Portanto, há um
engarrafamento de poder nesta gente e, como é evidente, o poder que vem
de cima é mais forte do que aquele que nós mandámos para lá e é isso. O
poder deles tem mais força. E o nosso... voltou para trás.
Há problemas no facto de a política ter morrido:
1. O
primeiro é: a política percebe-se. Já a economia é muito mais difícil de
compreender. Eles simplificam, isso é verdade. Por exemplo, primeiro os
mercados começaram a dizer que nós éramos PIGS: Portugal, Irlanda,
Grécia, Espanha. PIGS, porcos! Depois disseram: Portugal é lixo. É uma
metáfora muito repetitiva, mas é clara. Facilita a compreensão. Reparem,
eu não sei ao certo o que é o "subprime", nem o que são "hedge funds",
mas quando uma pessoa me diz: "tu és lixo", eu percebo do que está a
falar. Eu sei exactamente. Claro que é triste esta liberdade vocabular
não ser permitida a quem está em baixo: a gente vê uma manchete a dizer:
"mercados consideram que Portugal é lixo", mas é impensável, na página
seguinte, ter: "Portugal vai tentar renegociar a dívida com os chulos".
Isso não nos é permitido. Eles têm o capital financeiro e o capital
semântico, tudo o que é capital, açambarcam, isto torna a vida difícil.
1.
Saiu agora um estudo que diz: "Portugal é uma democracia com falhas". Em
primeiro lugar, é importante elogiar um grupo de cientistas políticos
que é tão eficaz que consegue olhar para Portugal e ver uma democracia
com algumas falhas, e não uma falha com alguma democracia. É inquietante
sermos uma democracia com falhas porque, até agora, éramos uma
democracia sem falhas. Nós éramos felizes e não sabíamos.
2.
Depois, levanta-se outra questão, que é saber se se pode dizer
democracia com falhas. Eu estava convencido que a democracia ou é ou não
é, no sentido em que também não se pode dizer "ele é ligeiramente
pedófilo, ou ele estava mais ou menos morto". Ou está morto ou não está!
O facto de sermos uma democracia com falhas põe outro problema mais
inquietante: a partir de quando é que uma democracia com falhas passa a
ser uma ditadura com qualidades?
3.
Outras vantagens: assim que Passos Coelho foi eleito, nós deparámo-nos
com um problema interessante: Passos Coelho nunca fez nada na vida a não
ser política, JSD, por aí fora. O homem licenciou-se com 37 anos,
esteve ocupado a tratar de coisas políticas. No entanto, não tem
experiência política nenhuma, o que é difícil para um homem que só fez
política na vida. Lá está, ele teve empregos, mas só em empresas
administradas pelo Ângelo Correia. O primeiro emprego que teve que não
foi arranjado pelo Ângelo Correio, foi este, que nós lhe arranjámos.
Passos Coelho acaba por ser uma inspiração para todos os desempregados. É
possível, sem grande currículo, com alguma sorte, arranjar um emprego,
desde que, lá está, o outro candidato seja... o Sócrates. Para quem tem
pouca experiência, governar com a troika é como andar de bicicleta com
rodinhas e, portanto, tem esse lado vantajoso.
4.
Paradoxalmente, o nosso voto tornou-se mais importante. Antigamente
votávamos nas eleições nacionais portuguesas, hoje votamos nas regionais
alemãs.
5. E é
excelente por questões de respeito. Por causa da senhora Merkel. E digo
senhora Merkel com propriedade. Não dizemos o senhor Sarkozy ou o
senhor Obama. Nunca. Mas senhora Merkel dizemos. E temos em português
aquela expressão, quando nos referimos ao passado: "o tempo da outra
senhora". Este é o tempo desta senhora. Saiu uma senhora e entrou outra
senhora.
Queria
acabar dizendo que há esperança para nós. Porque a política parece ter
morrido, mas ainda há réstias de política. Vou dar dois casos:
1. O
assassinato político voltou e isso significa que há política. Em 1908
mataram D. Carlos. Em 2011 foi abatido a tiro, também por razões
políticas, o pórtico da A22. Há qualquer coisa no início dos séculos que
excita o gatilho dos conspiradores. E alguém leva um tiro. Enfim,
podiam ter morto o rei, mas entre D. Duarte e o pórtico, os atiradores
optaram, e bem a meu ver, pelo que politicamente era mais relevante. E
deram uma chumbada na portagem.
2.
A segunda razão pela qual devemos ter esperança é este incentivo à
emigração constante, que é de facto uma medida política. Geralmente, o
programa xenófobo, que é vasto e rico, consubstancia-se na frase "vai
para a tua terra", dita aos imigrantes. O nosso Governo tem este
programa ligeiramente diferente que é: "sai da tua terra!", dito aos
nativos. Fica difícil saber para quem é esta terra afinal. Eu quero
sugerir o Brasil como um destino interessante para nós. O Brasil é uma
terra de oportunidades e possibilidades de riqueza, como demonstra o
caso inspirador do Duarte Lima.
Sem comentários:
Enviar um comentário